Com as vendas em alta, baixo custo de operação e a abertura de uma loja por mês no próximo ano, a rede de atacarejo está perto de se tornar o principal negócio do Grupo Pão de Açúcar. Saiba como um atacado voltado para pequenos comerciantes está salvando os resultados do maior varejista do Brasil
Dois assuntos podem fazer o executivo Belmiro Gomes, presidente da rede de atacado Assaí, conversar por horas a fio: tecnologia e as tirinhas do personagem Dilbert, criado pelo cartunista americano Scott Adams, que faz uma sátira inteligente e ácida do ambiente corporativo. Programador de formação, Gomes entrou para o mundo do varejo fazendo manutenção em antigos mainframes, os precursores do computador. Até hoje, por diversão, ele costuma desenvolver softwares – alguns, inclusive, utiliza no dia a dia.
Seu interesse por Dilbert vem do fato de que ele tem sob seu comando 18 mil funcionários. “O componente humano está presente em todos os processos na companhia”, afirma o executivo, que está à frente do Assaí há quatro anos. “Muitas vezes, tomamos atitudes negativas sem perceber.” A habilidade de olhar para si mesmo de forma crítica é, sem dúvida, uma qualidade apreciada no setor de atuação de Gomes. Afinal, o atacado de autosserviço, ou, como é popularmente conhecido, o atacarejo, foi por muito tempo o patinho feio do comércio alimentício.
Voltado para pequenos comerciantes e prestadores de serviço, em especial das classes C e D, o segmento era visto como um negócio quase marginal frente às grande lojas de hiper e supermercados. Nem mesmo os fornecedores tinham simpatia. “Sofremos muita resistência de grandes fabricantes”, diz Gomes. Esses tempos de pouco protagonismo ficaram para trás. O Assaí hoje pode ser considerado a grande estrela do Grupo Pão de Açúcar (GPA), maior varejista do Brasil, que controla também as bandeiras Extra e Pão de Açúcar, no varejo alimentar, além de Ponto Frio e Casas Bahia, no setor de eletroeletrônicos.
A rede é a que mais cresce em faturamento e em participação nos negócios e vem salvando os resultados do grupo. Nos nove primeiros meses deste ano, sua receita aumentou 24,6%, para R$ 7,3 bilhões. O Assaí responde por 14,8% das vendas do GPA. A taxa de crescimento anual da rede é de cerca de 30% desde 2010. Nesse ritmo, o Assaí deve ultrapassar em pouco tempo o Extra Hipermercado, que tem o maior faturamento entre as bandeiras do GPA e cujas vendas caíram 2,8%, para R$ 9 bilhões, no mesmo período.
Já a receita do Extra Supermercado teve uma queda de 3,5%, somando R$ 3,3 bilhões. No total, as operações de varejo alimentar do Pão de Açúcar cresceram 7,2%, para um faturamento de R$ 26,7 bilhões. Até o final do próximo ano, o ritmo de abertura de lojas com a bandeira Assaí será de uma por mês (atualmente, são 87 unidades). A expectativa é de chegar a todas as regiões do Brasil já no primeiro semestre de 2016 (falta a região Norte). Isso considerando que o custo operacional da rede, de 10,6% da receita líquida, é quase metade do registrado pelas outras operações do grupo. “Estamos crescendo de forma mais acelerada”, afirma Gomes. “Mas não é uma competição.”
De fato, a estratégia do GPA tem sido a de tornar o varejo alimentar cada vez mais “multicanal”. O hipermercado vem perdendo espaço na agenda dos brasileiros, que prefere comodidade. As chamadas lojas de proximidade, com as bandeiras Minimercado Extra e Minimercado Pão de Açúcar, se tornaram as vedetes do grupo. Sem muito alarde, no entanto, o Assaí ocupou um espaço que não estava previsto inicialmente. A crise mudou os hábitos de compras e levou para o atacarejo uma enxurrada de novos consumidores.
“Vemos que as famílias brasileiras não conseguem mais manter seus padrões de compra”, afirma Christiane Pereira, diretora comercial da Kantar Worldpanel, especializada em dados de consumo. “Há uma racionalização intensa nas decisões de compra.” Uma forma de economizar é comprar em grandes quantidades, o que só é possível nas redes de atacarejo, como Assaí ou seus concorrentes Roldão e a líder Atacadão, que pertece ao varejista francês Carrefour, maior rival do Pão de Açúcar no País. A importância do Atacadão para seu controlador é ainda maior.
Ele responde por 55% das receitas da empresa no Brasil, que foram de R$ 37,9 bilhões no ano passado. Segundo dados da consultoria Nielsen, os hipermercados perderam 4,2 milhões de clientes entre abril de 2014 e abril deste ano. Hoje, a tendência é que o consumidor faça uma grande compra por mês de produtos básicos, como higiene e limpeza e não perecíveis, no atacarejo, complementando a cesta com itens mais sofisticados e de baixo consumo nas lojas de bairro. Gomes vê isso acontecendo claramente em suas lojas.
“Temos dois tipos de cliente, o que vem todo dia para abastecer seu comércio e o pessoa física, que passa uma vez por mês”, diz o executivo. O segredo para agradar a clientela diversa, entretanto, não é mudar a cara do mercado. “Continuamos pensando no cliente pessoa jurídica em primeiro lugar”, afirma Gomes. A estratégia é bem sucedida por um motivo simples: preço. Comerciantes sabem de cor e salteado o quanto pagaram por cada item de suas compras. Isso força o Assaí a fugir da lógica tradicional dos supermercados de “jogar” com as margens dos produtos, fazendo promoções pontuais para atrair a clientela, mas aumentando os ganhos em outras mercadorias.
Para manter o preço baixo, o Assaí trabalha com três variáveis. A primeira é manter baixo o custo da operação. Ainda que as lojas tenham evoluído em termos de conforto, especialmente pela adição do ar condicionado, elas são simples, com piso de asfalto, prateleiras até o teto e sem muita decoração. A segunda variável é a negociação com os fornecedores. Esse já foi um desafio importante, uma vez que muitas empresas viam com maus olhos o atacarejo. Fabricantes costumam querer controlar toda a logística de entrega.
Não era negócio ter um intermediário entre o produtor e o pequeno comércio. Isso mudou depois que marcas de menor expressão começaram a explorar o atacarejo. O maior exemplo é a Quero, produtora de molhos e condimentos comprada pela americana Heinz, em 2011. Antes da negociação, seus produtos eram vendidos exclusivamente por esse canal de vendas. O motivo para isso está na terceira variável: logística. “É muito caro e complexo entregar de porta em porta nos grandes centros urbanos”, afirma Gomes.
Foi com o objetivo de facilitar o acesso de pequenos varejistas das regiões periféricas das grandes cidades a todo tipo de produto que o empresário Rodolfo Nagai criou o Assaí, na década de 1970. Ele vendeu o negócio ao GPA em 2010, por cerca de R$ 400 milhões. Esse conceito está voltando a permear a estratégia da rede. Suas novas lojas funcionam, literalmente, como centros de distribuição. Todas as mercadorias são estocadas localmente. As carretas entregam diretamente nas lojas, cujo tamanho mínimo é de 15 mil metros quadrados construídos. “Na prática, muitos comerciantes mantém seus estoques no Assaí”, diz Gomes.
“Eles chegam a vir três vezes por dia.” Para o fornecedor, é bom por que reduz custo de logística. Para o comerciante, é bom por que ele pode manter um estoque mais baixo e aumentar a variedade de produtos. Não é só no Brasil que o atacarejo está crescendo e ameaçando os tradicionais hipermercados. Nos Estados Unidos o poderoso Walmart sofre com a concorrência do Costco, um atacado de autosserviço muito semelhante ao Assaí e ao Atacadão. A rede, que opera também no Canadá, na Europa e na Ásia, tem planos de abrir 32 lojas nos próximos 12 meses.
Seu faturamento no último ano fiscal, encerrado em agosto, foi de US$ 116 bilhões. Já o Walmart, maior varejista do mundo, anunciou na quarta-feira 4 que prevê uma queda de 12% no lucro neste ano. O gigante está envolvido em um processo de reestruturação de suas lojas para estancar a perda de clientes. A questão é que, como bem disse Dilbert em uma de suas tirinhas, “grandes corporações aceitam a inovação da mesma maneira que os dinossauros aceitaram os grandes meteoros”. Os números mostram que, hoje, é o atacarejo que dá as cartas e as estimativas são otimistas. Nesse sentido, Dilbert também ensina que “ninguém acredita em previsões, mas todo mundo quer ouvi-las”.
Fonte: IstoÉ Dinheiro por Rodrigo Caetano – 12/11/2015